Friday, February 29, 2008

Manel, tenho a tua boina azul!



Sim, o Manuel da Fonseca iria lá! E dai, talvez não. As tantas talvez só quisesse ir até ao velho Periquito sentar-se a beber o café a ferver e sem açúcar. (Acabei de perceber a colecção de pacotes de açúcar)
Na verdade não interessa se iria ou não, estará lá. É que, tal como queria, e tal como via a morte, ele vive, nas nossas memórias!

Acho que ainda não tem na lápide, como queria, o escrito, “Aqui está um poeta d’um cabrão” mas no dia que morreu, sei que mal saímos da Câmara de Santiago em cortejo a caminho do castelo, começou a chover a potes como ele sempre ameaçou que ia acontecer…e foi como se todo o Alentejo chorasse.

Como sei?
Sei!
É que cresci aqui e fiz todo o liceu aqui e, 3 casas ao lado da minha vivia o amigo, camarada, poeta e escritor, Manuel da Fonseca.
Viu-me crescer e eu vi-o morrer como pai de muito de mim.
Quando criança dizia com orgulho que era o meu melhor amigo.
Deixava-me ficar sentada ao lado dele a vê-lo escrever - desde que calada (tarefa muito árdua) - e dava-me livros e coisas que tais a ler e a ver.
Em tempo de aulas, à uma da tarde ia para a escola e ele vinha da vila com o jornal na mão (primeiro o desaparecido O Diário e logo depois o Público) e previamente marcado com o que achava que me ia interessar - para que eu aprendesse a ler nas entrelinhas - passava-mo como se de um acto clandestino se trata-se.
No calor depois de jantar sentava-se no pequeno alpendre de minha casa com o meu Pai e uma garrafa de tinto. Ali, falavam de coisas infinitamente espantosas. Das lutas politicas, da liberdade, da prisão, da tortura, de quão burros eram os pides, das "estórias" caricatas da vila e das suas vidas, que me levavam do riso as lágrimas, do mundo que eu não entendia mas que ouvia com susto.
Na altura, nem sempre sabia do que falavam. Hoje, muitas vezes, encontro-me naquelas palavras. Sei o que aprendi. Muito pequena me sentava no chão do pequeno alpendre a ouvir, só a ouvir! Atenta – diziam! (Sim, desconfortavelmente sentada mas atenta)

Curiosamente, só hoje encontrei a página da minha escola e lá a maravilhosa entrevista que deu ao Carlos Cruz, a última. Ri e chorei e entendi muito bem a perspectiva da morte e por acaso encontrei este Blog este texto de seguida e nem queria acreditar quando li “Mataram a Tuna”, poema do Manuel da Fonseca.

Estou a ouvir o Adriano Correia de Oliveira e da janela do meu quarto consigo ver uma só estrela que me lembra uma dessas noites de calor em que me perdi a olhar para o céu.

Sorrateiro, o meu amigo Manel, chamou-me e disse-me:
- Sabes? São mentirosas essas estrelas que tanto gostas. - Conseguiam sempre, os dois, inquietar-me.
- São? - Perguntei a medo e de certeza de olhos esbugalhados!
- Sim, a maior parte delas já se foram - respondeu-me fazendo um gesto largo.
- Como as vejo, então?
- Vês porque são mentirosas! - voltou a repetir encolhendo os ombros como se aquilo fosse lógico.
- Mentirosas de mentira, Manel? – insisti.
- Pois. De mentira – respondeu lacónico.
- Mas como podem mentir? – retorqui já muito inquieta.
Nesta altura o meu Pai viu-se obrigado a intervir. Percebeu imediatamente o inicio do meu desgosto.
- É que aquilo que ali está e que daqui se consegue ver já é só o raio de luz que foi emitido pela estrela que ali existiu há milhares de anos-luz. Por isso, muitas delas já lá não estão há milhares de anos.
Acreditei! O "milhares” foi dito de forma longa e com um gesto de mão que só podia querer dizer milhares e o aceno de cabeça afirmativo do Manel foi o golpe final.
Levantei-me um pouco zangada, devo confessar, achei que não era noticia que se desse assim, e fui ao “livro grande” – a enciclopédia assim baptizada. Era verdade! Eram só raios de luz!

Não sei se é verdade ou se estou a fantasiar mas acho que mal dormi nessa noite. Contudo, tenho a certeza que de manhã mal cheguei à escola foi a primeira coisa que disse aos meus amigos. Com mais calma e mais jeito pois as más noticias, parecia-me a mim na altura, deviam ser dadas com calma e não com susto! Também sei que é verdade e não fantasia que nessa noite nos fomos, em bando, deitar nas muralhas do castelo de Santiago do Cacém a ver o céu com desgosto e desalento. Tantas noites à procura de constelações de estrelas, planetas, satélites… e de repente, aquilo!
Sei ainda, e sei que não estou a fantasiar, que senti uma lágrima fria descer-me o rosto.

Saturday, February 23, 2008

A Ti que Moras no Meu Coração...

"Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.

Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.

Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.

Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.

Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.

Amo teu jogo triste.

As tuas roupas sujas
É aqui em casa que eu lavo.

Eu amo a tua alegria.

Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.

Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.

Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.

Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.

Amo teu sistema de vida e morte.

Eu te amo pelo que se repete
e que nunca é igual.

Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.

Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.

Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defenda,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor
vacila."

Maria Bethania

Wednesday, February 20, 2008

Me Kali



Ute Lemper - Youkali, Kurt Weill

Bang Bang Me...

Tuesday, February 19, 2008

Your First Tears ...




The Champ, 1979

Sunday, February 17, 2008

Kiss Me or Leave Me



From Here To Eternity

A ti que moras no meu coração

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Neruda

Le Bassin de John Wayne



Le Bassin de John Wayne
1997,João César Monteir

Saturday, February 16, 2008

Set my spirit free




My body is a cage
That keeps me from dancing with the one I love
But my mind holds the key

My body is a cage
That keeps me from dancing with the one I love
But my mind holds the key

I'm standing on the stage
Of fear and self-doubt it's a hollow place
But they'll clap anyways

My body is a cage
That keeps me from dancing with the one I love
But my mind holds the key

Standing next to me
My mind holds the key
I'm living in an age
That calls darkness light
Though my language is dead
Still the shapes fill my head

I'm living in a age
Who's name I don't know
Though the fear keeps me moving
Still my heart beats so slow

My body is a cage
That keeps me from dancing with the one I love
Though my mind holds the key
[My Body Is A Cage lyrics on http://www.metrolyrics.com]


Standing next to me
My mind holds the key
My body is a

My body is a cage
We take what were given
Just because you've forgotten
Doesn't mean your forgiven

I'm living in an age
Screams winding at night
And when I get to the doorway there's no one inside


I'm living in an age
They laugh and I'm dancin
With the one I love
But my mind holds the key

Standing next to me
My mind holds the key

Set my spirit free
Set my spirit free
Set my body free
Set my body free

Set my spirit free
Set my body free
Arcade Fire

Friday, February 15, 2008

Thursday, February 14, 2008

O Consumo é, e será sempre, o Pai da banalidade!


Tenho em casa um bravo cavaleiro da Távola Redonda com pouco mais de uma década vivida. Há poucos dias, quando arrumava o meu roupeiro - que de quinze em quinze dias parece que sofreu um atentado – o meu pequeno heróis deu de caras com dois lenços da Palestina – Sim, vou chamar-lhes assim! Primeiro porque quero, segundo porque entendo que este é o seu nome e terceiro porque adoro dizer a palavra Palestina! Soa a País!
Dizia eu, que o meu pequeno herói se deparou com os dois lenços e ficou ao rubro! Deu pulinhos de contente e pediu: Mãe, mãe por favor dá-me um!
Irresistíveis estes pequenos cavaleiros…
Sorri-lhe e respondi: - Claro, escolhe um! Nesta altura os olhos cor de mel brilharam e a mão segura invadiu o caos do meu guarda-roupa e assim como que por um golpe de magia pegou no lenço certo! Agarrei-o pelo braço e sentei-o na cama perto de mim…
- Sabes que lenço é esse?
- Sim, todos os meus amigos têm um!
- Sabes por que os usam?
- Sim, são fixes!
- Sim, é verdade são mesmo!
- Queres saber por que tenho dois?
- Sim, e por que estavam aqui guardados?
- Olha, este, que é branco e preto e mais escuro que aquele foi-me oferecido por um amigo que morreu na Palestina. Sabes onde fica a Palestina?
- Não! Não sei!
- Pois não…é que é como se não existisse, sabes? É um país que não é país e um estado que não é estado…mas depois com mais calma explico-te tudo e vamos ao Google.

– Escusado será dizer que o meu Bravo Guerreiro ficou em choque ao saber que as nações Unidas, AS MESMAS QUE DITARAM OS DIREITOS DAS CRIANÇAS – que ele tanto apregoa -, AINDA NÃO RESOLVERAM ESTE ASSUNTO E DEIXOU DE CONFIAR EM ABSOLUTO NESTA ORGANIZAÇÃO QUE TANTO ADMIRAVA – obrigada ONU por trazeres a desilusão para dentro do meu doce lar e para os olhos do meu doce filho!

Ora a Palestina é na verdade um pais sem pátria, entendes?...claro que não…
Mas era eu pouco mais velha do que tu e um grande amigo foi lá. Um amigo com quem me dava nas minhas lides politicas de que já te falei. De lá trouxe-me este lenço que vinha com um pin da OLP, uma bandeira da Palestina, uma fotografia do Arafat e histórias muito tristes.
Tive, até mudar para cá a bandeira no meu quarto pendurada e a fotografia dizia: Palestina, um sonho possível…acredito ainda nisso, imagina!
- Achas-me muito tonta?
- Não Mãe…não és nada tonta.
Este lenço usei mais de 10 anos ao pescoço, assim! – e dobrei o lenço dando-lhe voltas ficando apenas um pequeno triangulo de lado, coloquei-lho ao pescoço para lhe mostrar como se deve usar.
Ele foi ver-se vaidoso ao espelho e voltou para junto do meu relato.
- Por que deixaste de usar?
- Porque quando cá cheguei toda a gente usava e achei que estava num lugar onde muitos pensavam como eu e pouco tempo depois percebi que o usavam por moda e não por uma causa. Usavam porque ficava bem com as roupas mas muito mal com os cérebros!
O meu cavaleiro não conseguiu deixar de rir.
- Mas e agora já não os queres?
- Quero, claro! Eu sei o que eles representam e penso da mesma maneira que pensava quando os usava…só que não quero que me confundam com os que os usam sem saber o que estão a fazer?
- Então e por que me estás a dar este?
- Porque este é o que tem significado para mim! O outro comprei-o na Festa do Avante, são diferentes, estás a ver?
- Sim são, este é mais escuro…porquê?
- Não sei, deve ser porque veio de um lugar mais triste.
- Mãe, posso mesmo ficar com ele?
- Claro, filho, é teu de agora em diante. Esperemos que se tiveres que o dar a alguém possas contar uma nova história sobre ele!
- Sabes Mãe, não o vou usar!
- Mas porquê se todos os teus amigos usam?
- Tenho medo de o perder…e não podemos perder causas…


Sobre isto quero dizer que:
1 - Quando arrumo o armário da roupa do meu valente cavaleiro da Tavola Redonda, no canto esquerdo ao fundo está pousado e guardado o meu velho lenço da Palestina…tal e qual como a Palestina está pousada no armário das Nações Unidas!
2 - E que a França foi o único país que lhe deixou algum brilho nos olhos quando lhe disse que foi lá que Arafat morreu e que de lá saiu num caixão e com honras de chefe de estado!

Wednesday, February 13, 2008

Lembro-me de ser peixe...





Gaelle Denis,fish-never-sleep

Friday, February 1, 2008

Pois...

Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava

E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: a que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar.

Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem, de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito a aprender

Se temos...! Diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda...
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de idade
o amor não é o bilhete de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar e deixar mudar

Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive de imaginar
é preciso explicar que sou o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for

Vá fala que o bebé está acordado
e vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.


Sergio Godinho